terça-feira, 24 de julho de 2007

MINGO

Porque Nana é sim minha amiga preferida. Só ela poderia conhecer tanto essa história.

Essa é a história de um cão chamado Mingo,
Que nasceu na prateleira de uma loja do Shopping,
Morou dois dias dentro de uma caixa de presente
E foi viver o resto da vida no colo de uma moça
Entre um sorriso e um abraço.

Ninguém sabia por que raios o cão se chamava Mingo –
aliás, Mingo não era um cão, era um cachorro –
ou melhor, era um cachorrinho.
E tinha que ser mesmo assim, no diminutivo,
com esses olhinhos escuros e esse focinho rosa.
Tinha gente que dizia que era pra rimar com Domingo,
Que é uma palavra que não rima com quase nada.
(Ficava bom danado pra fazer poesia!)
Tinha gente que dizia que foi erro de cartório,
E em vez de registrarem Amigo, registraram Mingo,
Com um N a mais e um A a menos no pacote.
Mas convenhamos, Mingo é muito mais bonito que Domingo,
Amigo, Rex, Totó, Spike, Bingo, Lobinho ou José Paulo.

A dona de Mingo media dois metros e oitenta e sete de altura.
Imagine só como não era complicado descobrir o que a dona sentia,
Visto que não dava pra ver nem sorriso nem lágrima no rosto dela,
e ela não tinha uma longa cauda peluda como ele.
Então Mingo tinha um artifício infalível:
(artifício é quando a gente bola um plano tão esperto
que não dá pra chamar só de plano)
Fazer cara de fofo, rolar de barriga pra cima, fazer olho pidão
e sentar em cima do computador pra olhar de relance o rosto dela.
Então ela dizia “Mingo bonito!” e Mingo ficava todo feliz,
como se fosse de pelúcia, caramelo e chocolate.

A coisa que Mingo mais gostava era de ver a dona escrever.
A dona de Mingo demorava duas horas pra encaixar as pernas,
(Que mediam um metro e oitenta cada uma)
Mais meia pra encaixar os quadris, os braços,
Outra boa meia hora pra curvar o pescoço
E alcançar o teclado pra começar a digitar.
Imagine, eram umas três horas só pra se preparar pra escrever.
Então Mingo, que de tanto esperar sentado em cima do computador,
E de tanto ver letrinhas aparecendo na telinha branca,
Começou a, dentro a cabecinha dele, criar palavrinhas
Além de au, au au, au au au e grr.
Primeiro foi Amor, que é uma palavra bonita e fácil
E todas as outras palavras derivam dela
(derivar é a mesma coisa de “vir de”, mas também quer dizer que um barco se perdeu no meio do mar e tem alguém com coração pequeno na beira de um cais).
Depois ele aprendeu a palavra “Compre”, “aproveite essa promoção”
E “não perca, últimos dias”, porque a dona de Mingo era escritora,
Mas era uma escritora que só escrevia romances sobre uma promoção e uma queima de estoque.

Mingo então passava a noite toda entre um abraço e um último beijo de boa noite, mas nunca conseguia dormir.
Mingo pensava nas palavras, que nasciam e cresciam dentro dele.
(E ele era tão pequeno que ninguém conseguia entender como é que cabia lá uma palavra como inconstitucionalicionalidade.)
Com as noites, Mingo aprendeu que existiam palavras bonitas e feias.
Golfinho. Amêndoa. Céu. Via láctea. Estrela Cadente. Morango.
Eram palavras que chega davam gosto de pensar.
Amiúde. Alhures. Quiçá. Mister. Quinhão. Lixeira com elas.
E foi assim, aprendendo a separar as bonitas das feias,
a vibrar quando encontrava uma proparoxítona e a criar palavras
como quibiriqui, abenaco, ferlim e parafonte,
que Mingo se transformou no primeiro cachorrinho expert em palavras.

Quem é que já viu um cão expert em palavras, meu Deus?
Cão não – cachorrinho!
Quem já viu? Ninguém. Mas a dona de Mingo via sim, todo dia.
E todas as vezes que ela estava em dúvida da palavra que ia vir
Entre um “aproveite” e um “últimas ofertas” ela olhava pra Mingo,
que só com aquele olharzinho de cachorro passava exatamente
a palavra que casasse bem como queijo e presunto num sanduíche.
E assim, Mingo e sua Dona escreveram, escreveram, escreveram,
em cada canto em branco de cada papel do mundo
até cansarem e dormirem entre um abraço e um último beijo de boa noite.

E é assim que acaba a história de Mingo.
Quer dizer, acaba por agora, porque no próximo segundo mesmo
ele e sua dona já estarão começando uma nova história,
cheia de palavras bonitas e enredos mirabolantes
até que acabe a última pontinha em branco de papel do mundo.

Um comentário:

Milla C. disse...

Nossa!!!
Eu tenho um cachorrinho chamado Mingo!
Perfeita a histórinha!
Chorei!